Páginas

terça-feira, 8 de março de 2011

Capítulo 4 - Sagrado Coração.

Somos todos imortais. Teoricamente imortais, claro. Hipocritamente imortais. Porque nunca consideramos a morte como uma possibilidade cotidiana, feito perder a hora no trabalho ou cortar-se fazendo a barba, por exemplo. Na nossa cabeça, a morte não acontece como pode acontecer de eu discar um número telefônico e, ao invés de alguém atender, dar sinal de ocupado. A morte, fantasticamente, deveria ser precedida de certo ‘clima’, certa ‘preparação’. Certa ‘grandeza’. Deve ser por isso que fico (ficamos todos, acho) tão abalado quando, sem nenhuma preparação, ela acontece de repente. E então o espanto e o desamparo, a incompreensão também, invadem a suposta ordem inabalável do arrumado (e por isso mesmo ‘eterno’) cotidiano. A morte de alguém conhecido e/ou amado estupra essa precária arrumação, essa falsa eternidade. A morte e o amor. Porque o amor, como a morte, também existe – e da mesma forma, dissimulada. Por trás, inaparente. Mas tão poderoso que, da mesma forma que a morte – pois o amor também é uma espécie de morte (a morte da solidão, a morte do ego trancado, indivisível, furiosa e egoisticamente incomunicável) – nos desarma. O acontecer do amor e da morte desmascaram nossa patética fragilidade. Caio Fernando Abreu

Não sei o motivo, mas acho que as árvores existem para nos proteger. Essa proteção é percebida quando elas nos servem de abrigo enquanto se está chovendo, ou estamos fugindo de alguma coisa. São nas árvores que encontramos os registros das promessas de amor à alguém. Quantos desejos, quantos sonhos, quantos amores simplificados em apenas dois nomes: Fulano e Fulana de tal.

Além do mais, elas são ótimas para dar uma bela de uma sombra a um transeunte qualquer cansado do sol. E nesse dia, o que eu reencontrei a Criadora de Mundos em minha vida, eu era esse transeunte cansado do sol. Foi numa Árvore de Vestidos Seculares que, depois de anos brigados, ouvi novamente aquela vozinha fina e boa de sentir.

"Nossa! Quanto tempo... Como estais diferente, Marmo..." 

"Você também, Bulba..." 

"Voz grossa..." 

"Voz fina..." 

"E aí?" 

"E... Então?" 

"Um abraço?" 

"Claro." 

A partir desse reencontro com Bulba comecei a ver as árvores como um ponto de referência, ou de encontro. Talvez isso seja verdade mesmo, afinal, é no alto delas que nos aproximamos das estrelas, e estas, sempre serviram de ponto de referência para algum navegante perdido. Portanto, comecei acreditar. Não pelos navegadores, mas sim por Bulba...

... Quando se estar sagrando e vendo a vida esvair-se do seu próprio corpo é tão melancólico... Porque logo agora estou lembrando-me de como reencontrei ela? Droga... Porque ela tinha que me salvar na Montanha Mágica Imaginativa... Se ela não tivesse me salvado, ela estaria bem, eu estaria mal, mas menos mal do que agora. Sangrar é tão bom. As memórias vêm à tona. Começa-se a lembrar das pessoas importantes em sua vida. Começa a se questionar se poderia futuramente ter ajudado mais pessoas, se poderia ter participado de mais vidas... Vidas que jamais conhecerei... Ai, ai, esses questionamentos... Nada como o bom gosto da morte, do sangue, para me sentir mais vivo. 

Olhando o rosto de Bulba, lá longe, vejo seus olhos cheios de chuva, dá um aperto uma falta de ar... Queria falar, dizer a ela pra não ficar assim, triste, chorando. Não quero te ver assim não, minha amiga. A culpa não é sua. Eu que queria vir contigo para viajar pelos mundos, eu queria te ver crescer... Queria te ver usando a chave mágica, queria te ver como uma fada, queria te ver como a Melhor Criadora de Mundos.


Não queria que a última cena vista pelos meus olhos fosse seus olhos chorando e gritando por mim... Eu queria que você sorrisse, mesmo sabendo que aquela não era uma boa hora... Mas, mesmo assim, eu desejava tanto o seu sorriso. Precisava do conforto do dele para eu ir em paz. Com dever cumprido, com a alma lavada, seja para onde eu fosse. Ahh... Como eu queria que você me ouvisse sua teimosa... Mas estávamos tão longe... Em dimensões tão diferentes... Em mundos tão distantes... Se pelo menos eu tivesse um coração... Isso talvez não teria nos acontecido. Jamais precisaríamos nos separar. Jamais precisaríamos ter se encontrado com aquele cara. Eu sei... Ele foi culpado de tudo isso. Eu sei... Você talvez dissesse que a culpa não era dele. Que ele era apenas um indeciso, que não sabia o que queria... Mas, eu acredito convictamente que ele é mal.

Ah que droga, as lágrimas vieram... Fiquei triste ao te ver triste. Não podia te abraçar. Não podia te chamar de chata, não podia te dizer que anjos não existiam... Acho que sentirei falta de ti. Muita falta de ti. Não consigo entender como ele conseguiu ser tão rápido. De onde ele tirou aquela arma? Como ele saiu daquele capuz, e ficou todo negro...? Que cor negra era aquela? Que personificação cruel... Porque uma coisa como aquela voltou ao meu encontro? Ao nosso encontro...

A garota Criadora de Mundos ao ver que ele estava fazendo o que estava fazendo ficou tão triste e com tanta raiva que ela usou sua Chave Mágica no seu próprio coração! Com isso ela criou uma árvore tão grande, mais tão grande, que em todos os universos dava-se para ser vista. Mais tarde, essa árvore começou a se chamada de A árvore Cortadora de Mundos. Uma árvore plantada bem no centro dos Confins dos Universos repleta de corações ao seu redor!

Bulba chegou perto da árvore. E deixou-me um recado dentro de um coração. Lembro-me claramente: ela estava tão cansadinha. Chorando tanto. Mas, apesar de tudo, ela parecia satisfeita. Talvez, por ter criado uma árvore tão infinitamente grande, talvez, por ter deixado um recado para mim.

E Ele, o maldito, estava tão assombrando com aquela árvore gigantesca quanto eu. E foi nessa hora que ele me deu um chute nas pernas e eu caí de joelhos no chão. Rapidamente ele deu um pulo que em instantes ele foi parar na dimensão onde Bulba estava.
De frente para ela, ele tirou uma arma de dentro de si: uma pistola. Olhou para mim, sorriu com ar risonho e aponto-a para o lado esquerdo do peito de Bulba e, simplesmente...

Ele puxou o gatilho.

Atirando bem no coração da Criadora de Mundos! Ela apenas caiu no abismo. Feito isso, ele olhou para mim e falou rindo, aquelas palavras que jamais esquecerei. 


Você não vai me encontrar, Marmo, o Garoto sem Coração! Pois, eu não quero que você me encontre. Não quero me tornar um contigo. Não tenho a mínima intenção disso. Eu acabei de uma vez por todas com a única pessoa que pode ter certeza de onde seu coração está: Bulba, a Criadora de Mundos!

Apesar de gostar muito dela também, tive que matá-la. Por segurança e certeza que nunca irás me achar. Por isso, fazer isso foi um grande sacrifico pra mim. E uma infinita tristeza para ti. Afinal, Eu sou seu coração Marmo.


Evidentemente gritei como louco! Não acreditei no que tinha acontecido e no que tinha ouvido! Eu chorava, sangrava, e, gritava! Bulba não estava mais comigo. Mas, meu coração, o que eu tanto procurei estava. Como eu fiquei com raiva!

Você estava errada! Meu coração não veio até mim quando eu estava pronto, mas sim quando eu mais precisava de você, Bulba. Você não tem toda razão, às vezes você erra! Como vou te dizer isso agoraaa que você se foi? Sua idiota! Eu me odeio por que te segui! Alias porque me salvaste? Porque insistisses que eu lembrasse de ti? Será que com apenas uma pequena lembrança eu me lembrarei de ti? Será que ela será suficiente para tomar um lugar de um coração? Será que não fui audacioso demais em dizer aquilo? Como vou superar isso, agora ein? Ó Criadora Sabichona? 

Lembrei de seu cabelo caído sobre seus olhos.

Essa dor esse cansaço, essa solidão. A morte e o amor juntos e separados ao mesmo tempo. Por que você fez isso seu maldito?! Só para não te encontrar? Só por isso? Pois fique sabendo, a partir de agora, que Eu, Marmo, o Garoto sem Coração,  vou atrás de você onde você estiver, seu MALDITO!

Ele apenas riu e me deu as costas. Abriu uma porta qualquer, com sua chave. E foi embora sem dizer mais nada. E deixou-me falando sozinho.

Nunca tive tanto medo da solidão como naquela vez. Sozinho ali, de frente para aquela árvore enorme, machucado, sem uma chave, sem um coração. Sem minha Criadora de Mundos... Comecei a pensar o que seria de mim. Só restava chorar.

E chorei.

E, foi quando ele apareceu! Galopando num cavalo que mais tarde eu ficaria sabendo que se chamava Amor!


E aí Dr? Como andas Muchacho? E essa vida mansa brava tá difícil, não é? 

Quem é você? 

O cara que veio te tirar daqui. Dos Confins dos Universos. 

Não tem mais sentido. Perdi tudo. Não tenho nada. O que era importante para mim se foi. A minha viagem já terminou

A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o visitante sentou na areia da praia e disse: “Não há mais o que ver”, saiba que não era assim. O fim de uma viagem é apenas o começo de outra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na primavera o que se vira no verão, ver de dia o que se viu de noite, com o sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para repetir e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. Já dizia meu Grande amigo José Saramago. 

Qual o seu nome? 

Santiago Del La Rosa Amarela! Ao seu dispor. E a seu favor, meu amigo. Na brecha. 


E como vamos sair daqui?

Simples. Caindo.

Prentice Geovanni
 


7 comentários:

  1. é realmente o fim de uma viagem é sempre o começo de outra, nao sei porque mas é. Nunca vi um problema acabar pra não ter que começar a resolver outro ;x
    Mas é isso msm, é o instinto de sobreviver. Pegue uma aranha e derrube ela da parede pra ver se ela nao vai ficar subindo e subindo e subindo, é mas facil vc se cansar do que ela. =] ou pelo menos eu me canso, pobre da minha forca de vontade =D

    ResponderExcluir
  2. Nosso coração é capaz de fazer muitas coisas boas, mas também pode provocar coisas ruins.

    ResponderExcluir
  3. Prentice Geovanni escreve não por que sabe escrever, mas porque escreve. Ele é um sensitivo das palavras gravadas em símbolos eruditos e claros. Digo com toda franqueza: eis o maior escritor que já li nesta cidade de Santa Cruz. Coração e espirituosidade numa mesma essencia é algo raro de se ver! Minhas felicitações cordeais!

    ResponderExcluir
  4. Fiquei todo por fora agora... Que história Diego. Valeu.

    ResponderExcluir
  5. Algo fantástico... Nesta fábula, uma pequena queda está significando vários novos "emaranhados" para continuares escrevendo. Continue evoluindo, pois evoluir é compreender que a distância entre os sonhos e a realidade, é apenas a sua força de vontade

    ResponderExcluir